Surgiu uma discussão interessante nesses últimos dias que me instigou a adaptar à um novo estilo de post antes de continuar com os desdobramentos do futuro de vendas. E o tema é justamente de adaptação, sendo que me dei uma meta de adaptar meu próprio texto para uma vertente mais filosófica.
Antes de começarmos, acho importante sinalizar três coisas:
1) Já escrevi sobre adaptação e mudanças em um passado recente, mas vou buscar, aqui, uma perspectiva da tradição filosófica, algo que até então não fiz. Já que estamos e sempre estaremos no turbilhão de mudanças e adaptações, que tal voltarmos à Grécia antiga para checar o que eles já diziam sobre movimento?
2) Adoro filosofia, foi minha primeira opção de formação (antes de me decidir profissionalmente, inclusive). O que eu talvez não imaginava, quando entrei no curso, é o quanto ele me seria útil para a vida, tanto pessoal quanto profissional. Seguramente me ajudou a ser um líder melhor, tanto das pessoas nas empresas que passei, quanto na minha própria família. Contribuiu para eu ter pensamento crítico, colocar a vida em equilíbrio, ter paz de espírito e, de certa forma, indiferença a muitas coisas.
3) Minha esposa trabalha com RH e, inclusive, postou sobre o tema nesta semana. Discutimos muito sobre a competência adaptabilidade, talvez uma das mais importantes em qualquer ambiente corporativo. Obrigado pelas provocações! Estou adorando nos adaptarmos juntos à esse novo hábito de escrever. =)
Vamos voltar, então, para cerca de 540-470 A.C. para aquele que é considerado o “mais eminente pensador pré socrático”: Heráclito. É dele alguns aforismas que justamente enfatizam a verdade universal de mudança:
“Aos que entram nos mesmos rios outras águas afluem”
Coleção Os Pensadores, “Os Pré-Socráticos”, Editora Nova Cultural, pág. 88
“Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos”.
Idem, pág. 92
Ou seja, a natureza está em constante movimento, a essência é mudança, tirando do mundo qualquer estabilidade. E é na tensão dos opostos (no conflito entre bem e mal, paz e guerra, amor e ódio), seguindo Heráclito, que se gera a mudança e, portanto, necessidade de se adaptar à essa eterna certeza.
Um pouco mais de 100 anos depois, Aristóteles chega em Atenas e ingressa na academia platônica. A especulação, portanto, sobre o ser no mundo como um problema da mudança passa a ser vista a partir de uma distinção que considero interessante para entender a competência de adaptabilidade: ser não é apenas o que já existe, o que fazemos, o que somos em ato, mas ser também pode ser futuro, potência do que pode vir a ser. É nessa transição entre potência e ato que, de acordo à teoria aristotélica, se constitui o movimento e os “acidentes” (virtualidades de algo que pode ser).
Assim, poderíamos dizer que é na atuação de um ser já em ato que a potência é atualizada. Ou seja, precisamos ligar o motor do ser em potência para desencadear uma ação. Se compararmos com o motor de um carro ou mesmo o “motor” que temos em cada um de nós (potencial de fazer algo), significa dizer que, acionada a “chave”, o carro vai exercer a sua potência de andar e nós exercemos a nossa potência de ser. Esse processo / movimento foi definido por Aristóteles como “enteléquia”, que significa ter uma finalidade interior, dentro de si, que gera um ato, uma forma de ação.
Ora, agora em termos práticos do mundo contemporâneo das relações humanas: o processo de adaptação e transformação que todos, pessoas e empresas, estão passando carrega uma série de motores (potências) que podem facilitar a própria jornada. A dificuldade de se adaptar pode vir, então, do fato de que a realização plena de algo envolve muito autoconhecimento das próprias fortalezas e pontos a desenvolver. Não obstante, a “máquina” tem que girar com tudo em ordem (não adianta ter só motor, precisa ter óleo, água…). Da mesma forma, não basta ter só autoconhecimento, temos que ter empatia, motivação, relacionamento interpessoal, saúde e equilíbrio. Penso que assim é uma forma de conseguirmos aplicar com leveza o potencial que temos dentro de nós, ou seja, liberar a capacidade de transformar através da prática.
Viagem? Pode ser que sim, no tempo principalmente, se pensarmos que mais de 2500 anos se passaram do berço da filosofia e ainda nos deparamos com a dificuldade de adaptação às mudanças que o mundo nos apresenta. Adaptabilidade é competência básica. Quem não tem, sofre.
Se estou pronto para me adaptar aos desafios atuais? Sim, potencialmente pronto e aplicando na medida do possível, um dia de cada vez, com improvisos e correções, com humildade em aceitar as coisas como são e como acontecem e usando os meus motores para fazer a coisa acontecer, viver o presente e, na essência, ser feliz nesse “palco do mundo”.
Deixo o trecho de uma peça de Shakespeare para finalizar e volto a pergunta para um diálogo com o meu amor: e você, pronta para se adaptar?
“O mundo é um palco e todos os homens e mulheres são na verdade atores: têm suas saídas e suas entradas e no decorrer da vida atuam em vários papéis…”.
Peça “As You Like It”, traduzida como “Do jeito que você gosta” por Rafael Raffaelli, Editora UFSC, pág. 54.