Resistir ou Desistir? Olimpíadas e a Saúde Mental e Bem-Estar no Trabalho 

Simone Biles mostra colar "goat" após ganhar medalha de ouro.
Simone Biles mostra colar “goat” após ganhar medalha de ouro.

Os atletas e a tênue linha entre persistir e desistir em prol da saúde mental. No artigo abaixo, a sócia da NAGY e Coach Executiva Kalyani Madhudanan, reflete sobre os ensinamentos que podemos tirar das Olimpíadas para a nossa vida profissional, um tema tão essencial para a melhoria da nossa qualidade de vida.

Quem não gostou de acompanhar as Olimpíadas? Eu sou uma dessas pessoas aficionadas e embora nem sempre entenda todas as regras dos esportes, acho incrível assistir os atletas e pensar em tudo o que eles enfrentaram para chegar até ali. Nas Olimpíadas de Paris acompanhei todas as provas de ginástica artística, principalmente para assistir a Rebeca Andrade e Simone Biles.

Eu me lembro como se fosse ontem, nas Olimpíadas de Tóquio, quando Simone Biles decidiu não competir na final geral  por estar enfrentando uma condição chamada  “twisties” — um fenômeno  psicológico que faz com que atletas percam momentaneamente sua noção de espaço, assim  o corpo não responde como deveria aos comandos nos  movimentos aéreos, o que torna as acrobacias extremamente perigosas.

Biles  foi duramente criticada por essa decisão, mas na época, pensei o quanto ela foi corajosa e consciente, demonstrando um profundo respeito por seu corpo e saúde mental. Ao escolher  não competir,  ela provocou um frenesi na mídia e nas redes sociais, gerando intensos debates sobre a pressão que os atletas enfrentam e a importância de priorizar o bem-estar mental.

Simone, uma das maiores ginastas da história, tomou essa decisão em um momento em que muitos esperavam que ela continuasse a conquistar medalhas. Sua atitude desafiou a ideia de que a vitória deve estar sempre acima da saúde mental, deixando claro que, apesar de seu talento e dedicação, o corpo e a mente precisam ser respeitados. 

Esse ato de coragem não foi isolado; outros atletas também se manifestaram sobre suas lutas pessoais. O surfista Gabriel Medina, por exemplo, decidiu não participar do campeonato mundial para preservar sua saúde mental. No vídeo abaixo, ele fala sobre o enfrentamento da depressão e o quanto a pausa foi essencial para seu pleno retorno:

https://olympics.com/pt/video/gabriel-medina-surfing-depression-world-title?uxreference=playlist

O nadador Bruno Fratus, que ganhou medalha de bronze em Tóquio, desistiu de disputar a última competição que poderia garantir sua vaga nos Jogos Olímpicos de Paris. Ele comentou no podcast Café da Manhã da Folha de S.Paulo:

‘Foi uma situação que foi se desenvolvendo, foram os sinais que o meu corpo foi dando. Eu tentei manipular e modular a situação ao meu favor, mas a partir do momento que o corpo não vai e a cabeça começa a ficar bem cansada daquela resiliência velha de sempre, eu acabei tendo que ceder a essa decisão.” Ele ainda comentou: “O que antes te impedia de sair da cama por conta de dor na coluna e no joelho, passa a ser uma letargia que toma conta de você, e você não tem mais aquele estímulo para começar seu dia.”

Essas situações nos levam a refletir sobre a tênue linha entre persistir e desistir, não apenas no esporte, mas também em nossas vidas profissionais. Muitas vezes, em ambientes de trabalho, a pressão e o estresse tornam-se insuportáveis.

A questão é: como saber quando é o momento certo de desistir, ou abrir mão daquela condição momentaneamente?

A humanização dos atletas e a importância de falar sobre saúde mental

Desistir de algo que se deseja profundamente nunca é fácil, especialmente para atletas de alto rendimento, que desde cedo são ensinados a valorizar a resiliência e a persistência como qualidades inegociáveis. Bruno Fratus comentou sobre a sensação de estar traindo seus próprios princípios ao enfrentar a necessidade de questionar e desafiar aquilo em que sempre acreditou, incluindo seus valores mais arraigados.

No esporte de alta performance, a preocupação com um ambiente mais saudável é algo relativamente recente. Juliana Fajardo, gestora esportiva do Comitê Olímpico do Brasil, observa que os atletas eram tradicionalmente vistos como máquinas, heróis capazes de superar qualquer desafio. Hoje, no entanto, é fundamental desmistificar essa visão. O entendimento atual é de que o atleta deve dar o seu 100% dentro das condições do dia, e não necessariamente alcançar o seu máximo potencial absoluto a todo momento.

O estigma em torno de atletas que buscavam ajuda psicológica atrasou esse processo. Muitos temiam que, ao revelar problemas como depressão, seriam vistos como incapazes de competir em alto nível. No entanto, o fato de muitos atletas de elite terem se manifestado sobre suas lutas internas trouxe um respaldo significativo, encorajando outros a também buscar o suporte necessário.

Saúde mental no ambiente de trabalho, uma reflexão necessária

Discussões sobre saúde mental e pressão no esporte têm paralelos diretos com o ambiente de trabalho. No trabalho, assim como no esporte, há uma linha tênue entre resistir e desistir. A pressão constante para alcançar resultados, a necessidade de resiliência e a expectativa de superar desafios podem levar ao esgotamento, assim como ocorre com atletas.

Assim como atletas de alto rendimento estão começando a questionar a cultura da performance a qualquer custo, profissionais em ambientes de trabalho também estão reavaliando suas carreiras, valores e, sobretudo, seus limites. A pressão por resultados, tanto no esporte quanto no trabalho, pode levar a um esgotamento físico e mental que compromete não apenas a produtividade, mas também o bem-estar geral.

A ciência nos mostra que a saúde mental é fundamental para o desempenho em qualquer área. O estresse não só afeta a saúde física, mas também prejudica a nossa capacidade de tomar decisões racionais e estratégicas. Dave Ulrich, professor da Ross School of Business da Universidade de Michigan*, destaca que a decisão de permanecer ou deixar um emprego deve ser baseada em uma reflexão consciente e em um entendimento profundo de si mesmo. 

E já que o tema desse texto discorre do que as Olimpíadas podem nos ensinar, destaco algumas questões que podem nos ajudar a avaliar nosso momento profissional e o ambiente que estamos submetidos:

  1. Ouça seu corpo: Assim como os atletas monitoram constantemente seu estado físico, os profissionais também devem estar atentos aos sinais de esgotamento. Sintomas como insônia, cansaço constante ou dores físicas podem ser indicadores de que é hora de reavaliar sua posição. Estou atento aos sinais do meu corpo?
  2. Avalie o ambiente: O ambiente de trabalho, assim como o contexto competitivo no esporte, está em constante evolução. Mudanças que antes eram estimulantes podem se tornar desgastantes. Pergunte-se: as alterações no meu trabalho me energizam ou me esgotam? 
  3. Reflita sobre suas conquistas: Celebrar vitórias é essencial, mas é igualmente importante olhar para o futuro. No esporte, a estagnação pode indicar que é hora de mudar a abordagem; no trabalho, pode ser um sinal de que novos desafios são necessários. Pergunte-se: já alcancei o que queria? O que mais posso aprender?
  4. Priorize seu bem-estar emocional: A saúde mental não é apenas um conceito, mas uma necessidade prática. Se você começa o dia sem entusiasmo, isso é um sinal de que algo precisa mudar. Assim como atletas reavaliam suas rotinas para preservar sua saúde, profissionais devem se perguntar: sou apaixonado pelo que faço ou apenas estou cumprindo obrigações?
  5. Reconheça o impacto social do seu trabalho: A sensação de pertencimento e de estar criando valor é vital para o bem-estar. No esporte, a equipe de apoio é essencial; no trabalho, o ambiente social também pode ser um fator decisivo. Pergunte-se: minha equipe me apoia? Meu trabalho tem relevância?

Além disso, considere a balança entre recursos e demandas. Muitos recursos com pouca demanda podem levar ao tédio, enquanto muitas demandas com poucos recursos podem resultar em burnout.

Estratégias para uma Transição de Carreira Consciente

Às vezes, a saúde mental pode atingir um ponto crítico onde não há espaço para o planejamento cuidadoso que seria ideal. Em momentos de estresse extremo ou crise pessoal, a necessidade de se afastar imediatamente de um ambiente prejudicial pode superar a capacidade de planejar a transição de maneira meticulosa. Nesses casos, a prioridade é garantir o autocuidado e buscar o suporte necessário, mesmo que isso implique em decisões rápidas e menos planejadas.

Apesar dessas circunstâncias urgentes, é fundamental, sempre que possível, adotar uma abordagem estruturada para a transição. Seja por questões de saúde mental, insatisfação ou busca por novas oportunidades, deixar um emprego é uma decisão significativa que exige cuidado e planejamento. Portanto, após a decisão inicial, a reflexão e a organização ainda desempenham um papel crucial para garantir uma mudança mais suave e bem-sucedida:

  • Antes de tomar a decisão de deixar um emprego, é essencial realizar uma autoavaliação cuidadosa. Dedique um tempo para refletir sobre suas habilidades, paixões e valores. Pergunte a si mesmo o que realmente deseja para sua carreira e vida pessoal. Esta clareza ajudará a orientar seus próximos passos e a tomar decisões mais alinhadas com seus objetivos e aspirações.
  • Compreender as oportunidades disponíveis no mercado é um passo crucial. Pesquise setores e empresas que se alinhem com suas aspirações e interesses. Utilize ferramentas como LinkedIn, sites de emprego e redes profissionais para identificar possíveis caminhos e oportunidades. Conhecer o mercado pode oferecer uma visão mais clara sobre onde você pode aplicar suas habilidades e buscar um ambiente que corresponda às suas expectativas.
  • Além disso, uma transição de emprego pode ter implicações financeiras significativas. Portanto, é importante desenvolver um plano financeiro sólido. Avalie suas despesas mensais, possíveis períodos sem renda e crie um orçamento que inclua uma reserva financeira. Um planejamento financeiro cuidadoso pode ajudar a garantir que a transição ocorra de maneira mais tranquila e segura, reduzindo o estresse associado à mudança.
  • O networking é uma estratégia valiosa durante esse processo. Construa e mantenha uma rede de contatos, conectando-se com profissionais em áreas de seu interesse. Participar de eventos da indústria, grupos de discussão e buscar conselhos de mentores pode proporcionar insights importantes e abrir portas para novas oportunidades. A construção de relacionamentos profissionais pode ser uma chave para encontrar novas posições e explorar diferentes caminhos de carreira.
  • Preparar-se profissionalmente é uma parte essencial do processo de transição. Atualize seu currículo e seu discurso, destacando suas conquistas mais relevantes e suas habilidades principais. Certifique-se de que seus materiais estejam atualizados e refletindo o melhor de sua experiência e capacidades. Um currículo bem elaborado e como você está contando sua história podem fazer a diferença na hora de se candidatar a novas oportunidades.

Compreender o lugar que o estresse assume é essencial para a sua saúde mental

Assim como os atletas de elite enfrentam dilemas complexos sobre quando continuar lutando ou dar um passo atrás, os profissionais também precisam ponderar cuidadosamente suas opções no ambiente de trabalho. A decisão de deixar um emprego deve ser tomada com base em uma análise honesta e profunda de suas necessidades, valores e aspirações. Embora momentos críticos possam exigir decisões rápidas para preservar a saúde mental, é fundamental que, sempre que possível, a transição seja abordada de forma estratégica.

Discutir a saúde mental em contextos de alta performance é essencial, mas deve ser feito com uma visão realista. A questão não é apenas se devemos abordar o tema, mas como fazê-lo de forma que evite confusões sobre a aceitação do estresse extremo.

Em ambientes de alta performance, o estresse intenso pode, de fato, ser uma parte inevitável em certas situações. No entanto, é crucial não confundir o reconhecimento de que o estresse extremo pode ocorrer em momentos específicos com a aceitação de que ele deve ser a norma constante. O estresse extremo não deve ser visto como um padrão aceitável ou uma parte intrínseca do sucesso.

Em vez disso, a abordagem deve ser sobre como gerenciar o estresse de forma mais eficaz e sustentável. A realidade é que, mesmo em ambientes altamente exigentes, o objetivo deve ser encontrar maneiras de manter a saúde mental e evitar que o estresse extremo se torne uma norma. Reconhecer que o estresse pode ser uma realidade em alguns momentos não significa que devemos aceitá-lo como parte habitual do trabalho. É importante buscar estratégias e ajustes para proteger o bem-estar, garantindo que o estresse intenso não se torne a regra, mas sim uma exceção gerenciável.

Simone Biles e Jordan Chiles reverenciam Rebeca Andrade no pódio do solo em Paris 2024.

Uma pausa pode te deixar mais forte. O exemplo de Simone Biles. 

Voltando para as Olímpiadas e com um trocadilho para fechar esse texto com chave de ouro, vale a pena assistir ao seriado O Retorno de Simone Biles na Netflix, onde a atleta reflete sobre as intensas pressões, as batalhas internas e o momento decisivo em que percebeu que algo não estava certo.

É imperdível, e é impressionante como – o que naquele momento poderia parecer fraqueza ou desistência – a fez retornar ainda mais forte, madura, confiante, demonstrando leveza  e alegria.

E me leva a refletir que em toda essa discussão sobre saúde mental, o momento presente é tão importante quanto uma construção a longo prazo, pois assim como para os atletas de alto rendimento, as nossas decisões hoje são essenciais para onde – e como – queremos estar daqui a 4 anos.

Referências externas:

*https://www.linkedin.com/pulse/should-i-stay-go-framework-questions-help-determine-when-dave-ulrich-n5pqc/

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